Porto é uma cidade que beira os 250 mil habitantes onde reina, em absoluto, um ar provinciano e tranquilo. Talvez sejam as águas do Douro que filtram as impurezas, que habitam as cidades grandes, e consiga manter o local como no passado. As justificativas podem variar, mas o amor pela cidade é sempre à primeira vista visita.
Bastou colocar os pés pra fora do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, abri o zíper a mochila, saquei a minha câmera, coloquei-a cuidadosamente sobre um local apropriado (um latão de lixo, rs) e tirei a primeira foto do meu mochilão. Havia tirado outras, das paisagens durante os voos e dentro dos aeroportos, mas aquela seria a mais icônica: eu, em frente ao letreiro do aeroporto, com o mochilão nas costas. Era o retrato do início de um sonho. Meu primeiro mochilão, programado para passar por 28 países europeus em 90 dias, acabara de começar.
Guardei a câmera e caminhei até a estação de metrô – “metro” para os portugueses. Comprei o primeiro ticket. Tudo era novidade. Antes de embarcar, abro a mochila e retiro algumas folhas grampeadas. Era um resumão da viagem que eu havia criado para facilitar a minha vida de viajante durante os deslocamentos e os passeios que faria durante os próximos meses. Nele continham: nome, endereço e instruções para chegar até o albergue, atrativos para visitar e dicas de gastronomia.
Com as instruções nas mãos, embarco no metrô e sigo para o meu destino. Durante o percurso, presencio uma cena dramática, digna de novela mexicana – digo, portuguesa! O que me chama a atenção é uma senhora, de estilo camponês, simples, com vestido longo e volumoso, de lenço na cabeça, deixando escapar alguns fios de seus cabelos brancos. A pele de seu rosto com marcas profundas deixadas pelo tempo e pelo trabalho, certamente cumprido debaixo do sol forte, lhe dava aparência de mais velha do que deveria, de fato, ser. Seus pés calçavam sandálias pretas, de couro, e meias grossas esticadas. Com um celular (tele móvel, em Portugal) na mão, ela começa a conversar, em alto tom, como se não houvesse mais ninguém por ali. Eu, atento à conversa, percebo que fala com sua filha. Ao lado dela, está seu marido, um senhor quieto que não esboça muitas reações. O casal acabara de chegar de viagem e está prestes a se reencontrar com a filha. A velha senhora, inesperadamente, se emociona e começa a chorar. Presto atenção. Suas lágrimas escorrem entre as rugas de seu rosto e chegam aos compridos fios de seu bigode. Quando o pranto se intensifica é difícil entender o que ela diz ao telefone. Eu, sentado, fico imaginando há quanto tempo ela não via a filha ou seria, aquela cena, apenas um exagerado drama português? Enquanto isso, do lado de fora, as estações passam uma a uma. O velho casal desembarca.
Dentro do metrô sou alvo de olhares curiosos, talvez pelo volumoso mochilão nas costas, talvez pela minha enorme expressão de curiosidade. O metrô para na Estação Bolhão. É a minha vez de desembarcar. Com as instruções na mão, deixo as plataformas pra trás, subo as escadas e saio da estação. Minha atenção fica dividida entre o endereço do albergue e todo o resto que corre em frente aos meus olhos. Sinto-me realizado por estar ali. Contorno a esquina. Rua da Firmeza. Procuro o albergue. Não o encontro. Subo a rua. Desço a rua. Avisto uma portinha simples, não há placas indicando o local. Atravesso a rua e me aproximo. Cheguei! É o Andarilho Oporto Hostel. Toco o interfone, a porta se abre. Subo um lance de escadas em meio a um jardim e me dirijo à recepção. Descubro, ao fazer o check-in, que sou o único hóspede com reserva para aquele dia. Subo mais escadas até chegar ao meu quarto. Só meu. Por enquanto. Arrumo a cama, descanso um pouquinho e tento me organizar para conhecer a cidade. Olho pela janela, vejo nas placas de rua que estou na esquina da Rua da Firmeza com a Alegria. Bom começo!
Percebo que não peguei a chave do armário. A porta do quarto está trancada. Não consigo abrir. Insisto. Bato à porta. Ninguém me ouve. Bato na porta! Desisto. Decido tomar banho primeiro. Saio do banho e, com calma, me visto e arrumo as minhas coisas. Volto a bater à porta. Chamo por alguém. Finalmente me ouvem. João, um dos recepcionistas, aparece e identifica um problema na fechadura. Devo trocar de quarto. Pego minha bagagem, subo mais um lance de escadas, coloco tudo no armário e, sem mais contratempos, estou pronto para explorar a cidade.
A temperatura amena e o dia limpo convidam-me para percorrer os atrativos do Porto a pé – o que é completamente possível e recomendável. Começo o passeio pela Rua Santa Catarina, um belo e extenso calçadão repleto de lojas renomadas, shoppings e elegantes cafés, além do comércio em geral. Seguindo meu mapa, chego ao bairro mais pitoresco da cidade: a Ribeira. Lentamente, caminho – escoltado por admiráveis prédios de fachadas azulejadas e coloridas, com roupas penduradas nas janelas e sacadas – pelas ruelas estreitas de paralelepípedos com carros estacionados por cima das calçadas, evitando atrapalhar o trânsito, mas não se importando muito com os pedestres. Enquanto desvio dos carros parados, olho para cima, bisbilhotando as cenas cotidianas dos moradores daqueles prédios: uma senhora repousa tranquilamente ao sol matinal enquanto, na janela ao lado, um passarinho canta feliz entre bicadas em suas folhas de alface.
É hora de encarar uma comprida ladeira para chegar até a Igreja e Torre dos Clérigos. Faz frio, mas a subida ajuda a esquentar o corpo. A torre barroca, de 75 metros de altura, é um dos cartões postais da cidade. No caminho de volta me senti obrigado a parar em um botequim para experimentar um autêntico bolinho de bacalhau. Enquanto prepara o meu pedido, o portuga que me atende conversa com um cliente, e eu mal consigo entender. Sabia que precisaria acostumar meus ouvidos ao novo sotaque português. Com as energias renovadas, continuo o passeio pela Praça da Liberdade que abriga, entre construções art nouveau, uma estátua equestre de Dom Pedro IV. Aproximo-me de algumas pessoas e ligo a câmera para gravar as conversas – não que eu estivesse interessado no que estavam falando, mas queria poder ouvir mais daquela nova pronúncia! Cruzando a belíssima Estação de São Bento, chego até a Catedral da Sé, datada do século XII. A imponente igreja exibe interessantes painéis de azulejos em seu andar superior e a vista que se tem da cidade é uma atração à parte.
Incansável, em meu primeiro dia de mochilão, ando depressa por escadarias espremidas procurando as próximas atrações. Eis que me deparo com uma das grandes: a Ponte Dom Luís I, com seus 385 metros que cruzam o Rio Douro, ligando a cidade do Porto à Vila Nova de Gaia. Atravesso a ponte pela parte superior (que também possui trilhos de metrô), admirando as incríveis vistas panorâmicas até chegar à outra margem. Desço por caminhos íngremes de rampas e escadas até encontrar as famosas caves de vinho do Porto. Defronte a elas, atravessando a rua, encontro, num aconchegante gramado à margem do rio, o lugar ideal para descansar enquanto contemplo a bela paisagem composta pelos barcos rabelo [embarcações típicas portuguesas que, tradicionalmente, traziam os barris (pipas) de vinho desde as vinícolas do Alto Douro até a Vila Nova de Gaia], pela ponte, pelo rio e, ao fundo, pela Ribeira. O sol, baixo, dá indícios de que quer se pôr e resolvo partir, deixando para experimentar os vinhos no dia seguinte.
Atravesso de volta a Ponte Dom Luís I, desta vez pela parte inferior (onde também passam os carros), e ascendo à cidade alta pelo funicular enquanto converso com duas senhoras alemãs que também estavam a passeio – aproveitando para dar uma desenferrujada no meu alemão (que aprendi durante um intercâmbio em Berlim).
No caminho de volta ao albergue, tenho que desviar de um mendigo que cospe na direção das pessoas que não o ajudam (pois é, na Europa também tem dessas coisas). Alguns passos depois, chego em frente ao elegante Majestic Café (na Rua Santa Catarina), inaugurado em 1921, foi o ponto de encontro da burguesia portuense. Já no albergue faço as primeiras amizades com meus colegas de quarto: Ben (americano de Washington, DC), apenas de passagem pela cidade e Mark (espanhol, ou catalão como ele prefere, de Barcelona) que estava passeando por Portugal. Conversamos bastante e decidimos sair pra jantar. Já era tarde, dia de semana, e não tínhamos muitas opções segundo o pessoal do albergue. Decidimos por um restaurante pequeno, próximo ao albergue. Confusos com as opções do cardápio, demoramos para decidir. Escolho um prato com arroz, tiras de salame e carne de pato – era uma das opções mais convencionais, acredite! Estranhei, mas estava gostoso (ok, talvez a fome tenha sido determinante no meu paladar). Após a refeição retornamos ao albergue para dormir.
No dia seguinte acordei tarde, tomei café e saí apressado. Entro no Shopping Porto Gran Plaza para conhecer e fico admirado com sua praça de alimentação – é uma reprodução do bairro Ribeira, com prédios coloridos, janelas e sacadas ornamentadas com diversas plantas, acima, há uma bela cúpula de vidro que, ao contrário da maioria dos shoppings, nos permite saber se é dia ou noite.
Sigo para a Ribeira para, desta vez, conhecer os vários restaurantes e lojinhas de suvenir que ficam à margem do Douro. Porém, é cedo e não há uma alma viva no local, que é um dos preferidos para quem quer fazer um happy hour e esticar a noite com os amigos. Prossigo até a Vila Nova de Gaia para fazer o famoso tour do vinho – uma visita com degustação nas caves de vinho do Porto. Em frente à cave Cálem, encontro meu amigo catalão que se interessa pela ideia. As visitas são guiadas e muito interessantes. As paredes de pedras garantem a baixa temperatura do local e, enquanto percorremos corredores repletos de barris (alguns com uns 3 metros de altura), os guias narram um pouco da história, como são produzidos os vinhos e explicam a diferença entre eles. Ao final, o momento mais esperado: a degustação. Todos os visitantes são acomodados em um belo espaço, com paredes arcadas, de pedra, e grandes mesas (cada uma para cerca de 20 pessoas) espalhadas. Enquanto o guia faz seus comentários, somos convidados a tomar quatro tipos de vinho – não sou conhecedor, mas todos me pareceram muito bons. Na saída ainda há uma loja para os apreciadores se perderem entre os rótulos! Mark seguiu sua programação e eu fiquei por ali, como no dia anterior, sentado sobre a grama, admirando o rio, a cidade, a ponte, os barcos e curtindo a emoção do primeiro episódio do meu mochilão. Recuperado dos efeitos do vinho (brincadeira!), caminho pela Beira-Rio antes de retornar ao centro do Porto para conhecer as Igrejas de São Nicolau e São Francisco.
Anoitece. No jardim do albergue, junto-me a alguns portugas que estão fazendo churrasco. Enquanto discutimos as diferenças entre o português falado nos dois países, aproveito para experimentar o assado local. Na minha opinião, ganhamos tanto no sotaque quanto no churrasco! Mais tarde, seguimos para a região da universidade, repleta de bares (que montam suas mesas sobre o calçadão e vendem cerveja como água) e gente jovem procurando diversão. O bar escolhido chama-se Piolho. Enquanto jogávamos papo fora, ouvimos uma barulheira e fomos conferir. Estava acontecendo um trote universitário (“praxe” para eles). Assistimos a uma parte e, sem entender muito, decidimos partir.
No terceiro dia, acordo cedo para arrumar as coisas e deixar a cidade. Debaixo de um garoa fina, como se a cidade chorasse pela minha partida, caminho até a estação de metrô do Bolhão, de onde sigo para a estação de trem (“comboio”, em Portugal) do Rossio para, então, viajar até a capital, Lisboa.
Este é o 3º post da série Mochilão na Europa I (28 países)
Leia o post anterior: O dia do embarque e os primeiros perrengues
Leia o próximo post dessa série: Alguém me traga um pastel de Belém, por favor! (Lisboa, Portugal)
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