A viagem desde Madri havia sido formidável. Fiz o percurso a bordo de um trem AVE (de alta velocidade), operado pela Renfe (Red Nacional de Ferrocarriles Españoles) – onde registrei a velocidade de 302 km/h. Durante essa viagem para Barcelona fiquei tão encantado com o trem que pedi um misto quente, sem me lembrar que era sexta-feira Santa (é pecado?!).
Ao chegar em Barcelona, capital da comunidade autônoma da Catalunha, segui de metrô até o belíssimo Mare de Déu de Montserrat – um albergue afastado do centro da cidade que, entretanto, oferece uma ótima infraestrutura, com amplo refeitório, sala de leitura, de reuniões, sala de jogos, piscina e wifi gratuito. O imóvel é uma atração à parte, uma bela e centenária mansão adornada com vitrais, azulejos e afrescos coloridos. Localiza-se no alto de um morro, o que lhe garante uma vista fabulosa da cidade e uma canseira para subir a ladeira – ainda mais se tiver um mochilão nas costas. Apesar do albergue não ser minha primeira opção, gostei bastante da experiência que tive. E se você faz questão de ficar no centro da cidade, faça sua reserva com antecedência.
Próximo ao albergue, a menos de 500 metros, fica o esplendoroso Parc Güell, uma das grandes obras da cidade projetada pelo arquiteto Antoni Gaudí, que foi o primeiro atrativo visitado por mim. Permaneci por lá bastante tempo fotografando as travessuras arquitetônicas do mestre. Se você quer tirar uma foto com El Drac prepare-se para aguardar a fila, mas vale a pena observar cada detalhe dos mosaicos, da Sala Hipostila (ou das Cem Colunas que, na verdade, são 86) e do Banco Ondulante, ergonomicamente adaptado para o corpo humano.
Como já anoitecera, decidi voltar ao albergue onde conversei (ou ao menos tentei me comunicar) com um senhor japonês que dividia o quarto comigo e não falava quase nada em inglês. Depois de muita confusão, a única coisa que guardei do nosso bate-papo foi como falar “boa noite” em japonês: “Conban-uá” (ou algo parecido com isso).
O dia seguinte amanhecera e eu estava ávido para desvendar a idolatrada e unânime Barcelona. Afinal, dez em cada dez viajantes são apaixonados por ela. Fui primeiro para a Rambla del Mar, uma ponte móvel (que se abre para os barcos passarem), que leva ao Port Vell (Porto Velho) – hoje, uma grande e moderna área de lazer com shopping, clubes náuticos, aquário e cinema. Também é possível chegar pelo outro lado, onde não há ponte, simplesmente atravessando a Plaça de l’Ictineo.
Quase em frente à ponte, mas na direção da cidade, há uma coluna enorme sustentando o navegador Cristóvão Colombo que aponta ao mar. Logo atrás do descobridor da América, estão Las Ramblas, a mais agitada área turística de Barcelona, repleta de lojas, cafés e artistas de rua – destaque para a Plaça Reial.
Ainda no centro, encontram-se atrações como a lindíssima igreja de Santa Maria del Mar, o Museo Picasso e a Muralla Romana. Não muito longe, o Bairro Gótico se apresenta com sua espetacular catedral e estabelece uma parada obrigatória. Parei pra fazer um lanche e, meio sem querer, descobri que o Barça iria jogar no dia seguinte lá no Camp Nou.
É verdade que, apesar de gostar de futebol, não havia planejado ir a jogos, até porque os ingressos não seriam baratos e o orçamento para quase 90 dias de viagem poderia ficar comprometido. Mas, já que a coincidência ocorreu, essa chance eu não perderia, jamais! Corri para o estádio (que fica bem longe do centro), não resisti e paguei € 30,00 no ingresso para assistir a Barcelona x Valladolid. Também não me aguentei e adquiri uma camisa do Barça – com meu nome nas costas. Entendeu o lance do orçamento comprometido? Mas voltei feliz da vida para o albergue!
Foi então que fiz uma nova amizade, Carlos – nome adaptado do meu novo companheiro de quarto –, um mochileiro de Hong Kong. Ele conseguiu realizar a tremenda façanha de trancar a chave do cadeado junto com todos seus pertences no armário e, como não falava espanhol e tampouco entendia o inglês-catalão do recepcionista, veio pedir socorro. Alguns minutos depois, o problema estava resolvido – e o cadeado em pedaços.
No terceiro dia, eu e meu amigo de viagem (por um dia), fomos juntos até a Sagrada Família – em construção desde 1882, é a mais incrível obra de Gaudí. Impressionante por dentro e por fora, deve ficar pronta em 2026, centenário da morte de seu idealizador. Depois passamos por La Pedrera, o edifício mais conhecido do arquiteto.
Seguimos de metrô para a praia. O céu estava azul, limpo, lindo. O sol forte como em dias de verão, mas fazia frio. Pela primeira vez eu via o Mar Mediterrâneo de perto e ao ver as ondas quebrando, sentia o estrondo do mar no fundo do meu peito – era a saudade que batia forte –, e a incerteza de viajar por tanto tempo começou a me atormentar. Aquele momento foi um dos mais difíceis pra mim. Não consegui me segurar e liguei pra casa pra conversar com a minha família. Tentei disfarçar a emoção. Mas foi em vão.
Meio recuperado, fiquei refletindo sobre a viagem (e fugindo do frio) enquanto lagarteava debaixo do sol. Depois de um rápido lanche, Carlos e eu tomamos rumos diferentes. Já mais animado, peguei o metrô para o Camp Nou. Dentro do estádio e devidamente uniformizado, assisti à goleada de 4 a 1 para os donos da casa. Um time de dar inveja à qualquer seleção, na época comandada por Puyol, Iniesta, Henry, Eto’o e Ronaldinho Gaúcho que não jogou por estar contundido. Comemorei muito junto com a torcida catalã – maioria esmagadora no estádio. Após o término da partida, muita espera até que intermináveis filas de azul grená se dispersassem pelo metrô.
Na manhã seguinte, pulei da cama às 6h45 para não perder o trem com destino à Paris. No entanto, ao chegar à estação, fui informado de que não havia mais bilhetes disponíveis para a capital francesa. A saída seria fazer uma conexão forçada em Montpellier, no sul da França. Assim, eu deixava Barcelona que, só pra confirmar, continua unânime entre os viajantes!
Este é o 6º post da série Mochilão na Europa I (28 países)
Leia o post anterior: Artes e paella! (Madri, Espanha)
Leia o próximo post da série: Uma cidade para voltar (Paris, França)
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